quarta-feira, 5 de março de 2008

Preservar ou Destruir?

Casario antigo de Alegrete ameaçado pelo "crescimento" da cidade.
Quando, em 1931, ocorreu a primeira conferência internacional para a conservação dos monumentos históricos, em Atenas, capital da Grécia, reunindo países da Europa, começava a nascer neste encontro uma consciência mundial para a preservação arquitetônica. Por fim, em 1979, na última conferência, 24 países dos cinco continentes participaram do estabelecimento do conceito de um patrimônio mundial. Desde os primórdios, estabelecia-se a tensão entre, de um lado, os arquitetos que criticam a conservação intransigente, pois almejam marcar o espaço com novas construções; de outro lado, os defensores da proteção das características da cidade contra as marcas trazidas pelo criticado “progresso urbano”. Um terceiro grupo, os proprietários dos imóveis tombados, passou a reivindicar o direito de dispor de seus bens para proveito próprio.
Recentemente, em Alegrete, o assunto começou a tomar corpo, depois da demolição de uma das casas antigas da Rua dos Andradas, para a construção de uma nova loja de utilidades domésticas.
Foi lançada uma “comunidade” no mais famoso site de relacionamento no Brasil, o Orkut. Márcio Faraco, músico, radicado na França, pertencente a uma das mais tradicionais famílias de Alegrete e que é ou foi dona de casas antigas da cidade, demonstra publicamente seu desacordo com o rumo da destruição desses prédios históricos e criou a comunidade “Fachadas do Alegrete Urgente”. O assunto mereceu também um tópico no fórum da comunidade “Alegrete” do Orkut, que acabou gerando um debate acalorado, onde uma parte prefere que as casas antigas sejam demolidas para dar lugar a prédios mais novos; e outra, que defende a preservação, pois acredita que é uma fonte de renda e turismo para a cidade.
Em termos de Brasil, há cidades enfrentando diferentes conflitos em relação a seus centros; experiências são apontadas como bem sucedidas, como a região central de Curitiba, a do Pelourinho em Salvador e, até mesmo, a restauração dos bairros do Recife antigo, onde o comércio e bares que os prédios restaurados (ou reformados) passam a abrigar bares que funcionam também como atração para turistas.
Obviamente, Alegrete não tem um sítio urbano histórico destas dimensões, entretanto tem uma grande importância histórica. O assunto merece ser debatido pela comunidade e pelos poderes constituídos ligados ao assunto.
De acordo com Lilia Ricciardi, arquiteta e integrante do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, vinculado à Secretaria Municipal de Educação, criado em 1982, existe muita dificuldade em se dar andamento aos trabalhos de preservação dos prédios históricos de Alegrete, por vários motivos, desde verba até delegação de poderes.
“O conselho não é remunerado e nele não há nada de política partidária. É um conselho que tem representantes de vários seguimentos da sociedade preocupados, apenas, em preservar prédios que tenham valor histórico. É muita gente, só que, quando marcam uma reunião, comparecem 3 ou 4 membros. Boa vontade existe, mas, na hora de colocar a mão na massa, fica complicado, pois todos têm outras ocupações, como é o meu caso.” desabafa a arquiteta.
Ricciardi explica que, quando um prédio é tombado, o único incentivo que o proprietário recebe é a isenção do IPTU, o que corresponde, a mais ou menos, R$ 400,00 por ano.
“Na nossa lista, existem várias casas em processo de tombamento, como o Quiosque, Prefeitura Municipal, Câmara de Vereadores, Museu Oswaldo Aranha (do município); entre as particulares, entram os palacetes da Praça Getúlio Vargas, a casa dos Quinteiros - perto do supermercado Nacional.”, informa.
Para Márcio Faraco, a decepção é enorme. “Criei aquela comunidade das fachadas (Orkut), movido pela decepção. A cidade que deixei há alguns anos era muito mais bonita do que essa que encontrei em dezembro último.”
Para Osório Nunes Junior, 40 anos, agrônomo e participante do polêmico fórum, Alegrete pode conviver plenamente com o novo e o velho. Não há necessidade de destruição do velho para a criação do novo. “Somos muito imediatistas e estamos nos tornando perigosamente práticos. Abrimos mão até dos nossos familiares que vão envelhecendo, por darem um certo trabalho e ocuparem nosso tempo, pensamos deste mesmo jeito com relação ao Patrimônio Histórico.” argumenta. Já há alguns anos fora da cidade, o agrônomo revela que conhece muitas pessoas que conhecem Alegrete mais pelo seu passado do que pelo seu presente.
Marcelo Leães, 25 anos, desempregado, pondera que se é para gerar empregos para a cidade, que está economicamente em dificuldades, é válida a demolição de uma parcela destas casas, observando, é claro, sua importância.”Uma loja que amplia sua estrutura, vende mais, emprega mais diretamente e também emprega mais indiretamente. Ganha o vendedor, ganha o encanador, ganha o pedreiro, ganha o cara que faz fretes com seu caminhão, assim por diante.”, explica.


PROGRAMAÇÃO VISUAL
A preocupação de uma parcela dos alegretenses não se resume somente na preservação contra a demolição destas casas, vai além. Muitos se questionam das mudanças nas fachadas destas casas antigas, como instalação de marquises ou pintura com cores “berrantes” que descaracterizam a construção antiga.
Como conciliar o comércio local, cada vez mais competitivo, com a preservação original destas fachadas? Como um comerciante pode receber incentivo e orientação para não alterar de maneira drástica estas fachadas? Questões como estas devem ser respondidas num amplo debate entre comunidade, Prefeitura (através do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico), Câmara de Vereadores, CREA, Sindicato do Comércio e especialistas.
Alegrete precisa progredir, gerar emprego e renda, urgentemente. Alegrete precisa preservar seu passado histórico. A cidade deve voltar seus olhos às moradias históricas sem deixar de observar a dificuldade de habitação da maioria da população local.
O debate foi lançado; agora, cabe aos alegretenses decidirem que rumo tomar em relação ao tema e que atitudes ou soluções devem ser tomadas pelos poderes constituídos para salvar ou não esses prédios e suas fachadas.


Matéria publicada na Revista CENTOe5, de fevereiro de 2008.

2 comentários:

Anônimo disse...

Boa iniciativa...

Anônimo disse...

Valeu pela link, Rogério!

Ainda não li seus posts. Meu tempo tá curto agora, mas depois vou correr os olhos com calma.

Gostei do título, gosto de céu e principalmente de nuvens.

Adicionei você no msn. O meu e-mail é "orozimble". O nome és tranho, eu sei, mas é do bem. =)

Abraço,
Gabriel